sábado, julho 13, 2019

Pubcrawl

Uma procissão de bar em bar, mas ninguém está procurando nada. De fato, a idéia principal é se perder. Deixar que as pernas ganhem humor capaz de fazer graça conosco, que nossas línguas se sufoquem uma na outra, enquanto nossas mãos balançam os cigarros que podem ou não estar prestes a queimarem alguém. Os olhos ganham proteção sobre que não querem ver.

Costumava dizer pouco importa. Agora nem ao menos me importo em dizer. Quero abraçar a todos ao redor da mesa e agradecer-lhes por aquilo que eu sei, fazem a contragosto apenas pensando em si próprios. Afinal não é nem uma última ceia nem nada.

Um filme do Frank Sinatra passa na tv sem som, Count Basie flutua esguio entre a fumaça que sai do cinzeiro em busca da luz jogada para o outro lado, da janela, de onde se vê a lua. As luzes dos postes escrevem frases que ninguém percebe e que eu não quero dizer quais são. Mas essa mensagem secreta pouco interessa.

Piadas que não tem nexo, brinquedos de criança empenados por que se molharam com bebidas alcoólicas. Você precisa me vestir de mistérios para que possa me desnudar do jeito que você deseja, você precisa apenas fingir que não sabe pra ficar com curiosidade.

quinta-feira, agosto 09, 2018

Saudades

Dizem que eu me aproprio das coisas que posso nomear, e que se eu não soubesse dizer saudade, não saberia exatamente senti-la, apenas saberia que estava lá. Mas eu sei o seu nome, e portanto tudo o mais que eu sei é que você está lá.

Não é meu. E o que é meu nem eu quero nomear, às vezes. Eu só quero sentir. Não quero na minha memória, vagando feito um fantasma cheio de correntes que rasgam o chão. Olhares circunspectos temendo pelo futuro. Um sorriso de Forrest Gump sem inventar mais histórias, sem mais poder. O que eu não quero é poder.

Espero você aparecer na televisão, mas nem tudo que vejo me dá vontade de falar. Ainda mais com essa boca machucada, tudo o que eu quero é me esconder. Mensagens cifradas num alfabeto de público seleto e meu repertório está cheio das mesmas imagens. Às vezes são só ossos, outras só carne, mas quando eles se juntam eu tento explicar tridimensionalmente, com meu próprio corpo, é do único jeito que eu sei. Inventar um mundo um degrau acima do térreo é corriqueiro e seguro. A teoria da evolução me prova de vez em quando que a segurança é importante. 

Eu vou de trovadora de banda de circo, com meu macaco mambebe tocando corneta vestido de verde pois é a cor da esperança. Grandes buracos na minha cortina blackout e na minha blusa de lã deixam o vento entrar enquanto eu escrevo a maior frase do mundo, porque eu odiava pontos finais e sempre acabava me rendendo às reticências... mas não mais.

domingo, junho 10, 2018

Zona metropolitana

Dois corpos se chocaram. E dessa batida, lágrimas rolaram o bastante para que o assoalho da vida ficasse inundado. Sobre ele, lá estava eu, dando largos passos. Mas escorreguei no chão molhado e minha cabeça bateu forte contra a quina da mesinha onde os restos das nossas redomas se encontravam. Uma gota de sangue escorreu dos meus cabelos e caiu nas lágrimas se transformando numa água-viva vermelha e expansiva. Fiquei caída e inconsciente enquanto tudo se esvaia pelo ralo.

Talvez um mês depois, não sei ao certo, acordei pela primeira vez nos esgotos da cidade. Eu te mandei minhas histórias e você não perdeu tempo pensando em mandar respostas. Comecei a assoviar uma canção que mais tarde se tornaria um grande sucesso. O meu suor pingava multicolorido, enquanto minhas pupilas continuavam escorrendo desbotadas. Vaguei pelas galerias subterrâneas por dois dias.

De vez em quando eu ainda sinto uma descarga ser acionada na minha espinha. Meus dedos ficam azuis nas pontas e minha testa se torna apenas um emaranhado de rugas. Agora eu que ouço vozes que me soam familiares, mas eu já não penso em mandar nenhuma resposta. Olho em seus rostos, seus olhos estão virados para si próprios. Quando eles foram embora, reparei que em alguns começaram a surgir asas pelas costelas.

O que quero é me manter em zona neutra. Chicoteio e chapisco até voar.


quinta-feira, novembro 10, 2016

Minhas pessoas legais

Eu acredito que todas as pessoas são legais.

Algumas não são pra mim, mas podem ser adoráveis para você. Acredito também que quando você reconhece as suas pessoas legais, bem, nesse momento você pode se definir como uma pessoa de sorte.

As minhas pessoas legais são um misto de teoria pós-moderna com teorias de autoria própria ainda aguardando a classificação do tempo. São sinceras sem serem ríspidas. Ouvem músicas antigas enquanto bebem cerveja e deixam-se afundar no tapete, discutindo assuntos difíceis de discutir e compartilhando histórias absurdas sobre si mesmas.

As minhas pessoas legais frequentemente se esquecem que existem outras pessoas ao redor. Se perdem em olhares e piadas internas. Elas se beijam, se divertem e fazem carinho no cachorro dos outros. Jantam em padarias e cochilam na mesa, estragadas e carcomidas de um festival de música localizado a tantos km que o cansaço físico mal consegue identificar no mapa. Ouvem Arctic Monkeys às cinco e meia da manhã, depois de horas de psicodelia filosófica e desgate causados por satisfação. E deixam o vidro do carro aberto, para que o vento frio da manhã recém nascida rebente no rosto um arrepio de bom dia.

Pessoas legais fazem dias legais; o resto vem em decorrência. Ainda que o corpo às vezes empalideça assombrosamente, sempre tem um sorriso escondido ali embaixo. E aí, pra quem ouviu umas duzentas vertentes de música eletrônica, reggae, ska e Jesus and Mary Chain, chegar em casa, tomar um banho, colocar Nina Simone baixinho no som e recuperar o sono antes esquecido é pedir pra que o mundo pare pra que eu possa descer e olhar de fora, dizendo que tudo foi da o ra !!!


domingo, abril 10, 2016

Palíndromo: você nunca fica piegas

Você nunca fica piegas. E talvez seja isso. Você nunca parece se molhar nas poças d''água que pisa, ou se sujar nas paredes recém pintadas que encosta. Será que é bom isso? Você nunca chora, nunca se mostra, nunca grita, é sempre blasé, até mesmo nos cigarros não fumados você nunca fica piegas. Te garanto que você podia vir até aqui e me cantar uma música do Julio Iglesias..Que você não ficaria piegas.

Você não pediria em silêncio pois seus olhos não querem. Seus olhos mal olham. Sua boca nunca se suja, e seu corpo nunca fica suado, suas palavras nunca ressoam, seus passos não ficam marcados no assoalho. Quase um dom de impermeabilidade, você nunca fica piegas. Você é algo que foge sem se mexer das mãos que te pegam.

Você nunca fica piegas e eu sei que é sem querer. Você nem sabe. Até se acha um pouco piegas, já me falou isso uma vez, e nem tem nada contra quem é por demais, que isso eu também já ouvi você dizer. Mas é que você não é nem por um segundo. Isso irrita, isso não desnorteia. Faz tempo que não fico desnorteada, queria realmente alguma coisa que me afligisse, alguma bomba caindo no mesmo prédio onde eu fico presa sem as chaves. Não, você pode ser tudo, só não é piegas.

Agora que você me conheceu melhor não me entende. É verdade, eu quero apenas algo piegas.

quarta-feira, novembro 04, 2015

Petralha

Empresários tradicionais parados nos sinais vermelhos sempre me lançam olhares indignados enquanto eu os ultrapasso com minha boa qualidade de vida sobre 2 rodas, incrementada pelo fato de eu não me abalar com as manchetes negativas dos jornais e de eu só carregar grandes mapas que não entregam nunca onde eu vou de verdade. 

Talvez eu até aproveite que estou com tempo e vá visitar familiares que não carregam meu sobrenome, mas que são sempre muito gentis e divertidos.

sexta-feira, setembro 04, 2015